O pescado é, sem dúvida alguma, o alimento cárneo mais nutritivo que existe, e por essa razão sua demanda vem aumentando expressivamente em praticamente todas as regiões do mundo. Porém, este alimento possui determinadas características que o tornam bastante vulnerável à deterioração. Algumas delas são a ausência de descanso no período ante-mortem, onde os animais, mesmo os de cultivo, vem se debatendo nas redes até a exaustão, consumindo o pouco (1%?) glicogênio que se encontra na musculatura. Esta pequena quantidade de glicogênio não mais se oxidará em gás carbônico e água após a morte, entrando na glicólise anaeróbica, resultando em um pH mais neutro e menos nocivo à microbiota. Outra causa de extrema perecibilidade é a presença maciça de enzimas autolíticas, que lisam tecidos no post-mortem, sobretudo após o rigor mortis. A grande quantidade de água que o pescado possui também exerce um papel fundamental na velocidade de deterioração deste alimento. Além de todos estes fatores, a própria qualidade química e microbiológica das águas de obtenção, aliada à higiene nas operações de despesca, manipulação e métodos de conservação, são fatores de extrema importância na qualidade final do produto. Cada umas dessas características exerce um papel na velocidade de deterioração do pescado. Esta irá ser maior ou menor, dependendo dos procedimentos que serão efetuados, mesmo antes do pescado sair da água.
Não existe no Brasil nenhuma padronização de técnicas de abate do pescado, nem a obrigatoriedade do uso de gelo, imediatamente após a despesca. A consequência disto é a redução da qualidade geral do pescado, que muitas vezes é abatido por asfixia, e permanece em temperatura ambiente durante o transporte até sua chegada à indústria e/ou ao comércio. Este quadro ocorre principalmente em pescado transportado diretamente ao varejo, leia-se mercados municipais, peixarias, restaurantes, etc.
O consumidor, inserido nesta realidade, é penalizado, pois tem à sua disposição um pescado de baixa qualidade nutritiva, microbiológica e química, e cujo preço final ainda é proibitivo em virtude da presença de atravessadores que encarecem o alimento. Temos, portanto, uma situação em que os maus manejos pré e pós abate do pescado influem diretamente sobre a qualidade e a viabilidade deste quando é oferecido à população, colocando-a muitas vezes diante de sério risco à saúde. O conhecimento das causas da perecibilidade do pescado, aliados a uma política séria, que venha a padronizar e fiscalizar técnicas de abate por hipotermia, através de imersão em gelo triturado ou em escamas em quantidade e qualidade adequadas, além do respeito às boas práticas higiênicas desde a retirada do pescado da água, mantendo a cadeia do frio durante o transporte, beneficiamento e comercialização, proporcionará ao consumidor usufruir em toda a sua plenitude de um alimento nobre, que já é hoje, e continuará sendo o responsável pela nutrição de milhões de pessoas ao redor do mundo.
Dr. Edivaldo Sampaio é médico veterinário formado pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), especialista e mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), doutor em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e atua como docente da Universidade Federal do Mato Grosso, ministrando disciplinas de tecnologia e inspeção de produtos de origem animal para graduação, além de microbiologia de alimentos e higiene e tecnologia do pescado na pós graduação. É responsável pelo Laboratório de Higiene e Tecnologia de Pescado e pelo Núcleo de Estudos em Pescado.
Everton Santos
Excelente publicação !