Tudo o que você sempre quis saber sobre laudos de migração de embalagens de alimentos (II)

5 min leitura

Dando continuidade ao tema “tudo o que você sempre quis saber sobre laudos de migração de embalagens“, neste post vamos entender quais informações devem ser consideradas na avaliação de um material de contato com alimentos frente às legislações e saber o que deve ser exigido do seu fornecedor como evidência.

Os requisitos de segurança das embalagens são definidos por regulamentos técnicos da ANVISA harmonizados com o Mercosul (GMC) desde 1992. Tem aqui um post bem completo sobre isso.

A preocupação em estabelecer um controle eficiente sobre os diversos componentes associados à fabricação de materiais para contato com alimentos é demonstrada pelos órgãos de regulamentação, que determinaram legislações aplicáveis ao tema.

O objetivo é limitar a concentração das substâncias que irão compor as embalagens e estimar o grau de contaminação dos alimentos com estas substâncias através de ensaios de migração.

Então vamos lá… Para ficar mais prático vou apresentar um passo a passo a ser seguido na hora de avaliar um material de embalagem (ou de contato) de alimentos frente à sua legislação correspondente, e já adianto, um fluxo bem simples, mas que resume bem o que vamos falar.

Passo 1 – Conhecendo o material/ embalagem

O primeiro passo é ter em mãos a composição do material de contato/ embalagem. Esta informação você conseguirá com o fornecedor do material/embalagem que é quem “formulou” e conhece as substâncias presentes. Sem isso você está “no escuro” e não conseguirá iniciar a avaliação da segurança do material/ embalagem.

É importante colocar como observação que há alguns casos em que o fornecedor responderá que a composição é segredo de formulação, e por isso, não poderá abrir. Diante disto, o que pode ser feito por exemplo, é um acordo de confidencialidade entre o fornecedor e um laboratório de análises competente para ensaio de migração, o qual receberá a informação e prosseguirá com a realização dos ensaios necessários e a emissão do laudo, atestando a segurança.

Passo 2 – Checando a lista positiva

A lista positiva é uma relação de substâncias aprovadas para uso em formulação de materiais, com uso proposto para contato com alimentos, cuja a utilização é considerada segura para a aplicação prevista, desde que cumpridas as especificações/ restrições estabelecidas.

Segue um resumo:

Tipo de Material Lista positiva que devo checar
Elastômeros Res nº 123/01
Celofane RDC n. 217/02
Adesivos Res n. 123/01 e RDC 91/01
Tripas sintéticas de celulose regenerada RDC n. 218/02
Materiais celulósicos RDC n. 88/16
Materiais celulósicos para cocção e filtração a quente RDC n. 88/16 e RDC n. 89/16
Materiais celulósicos durante a cocção ou aquecimento em forno RDC n. 88/16 e RDC n. 90/16
Resinas e polímeros RDC. n.56/12
Aditivos para plástico RDC n.326/19
Preparados formados de películas à base de polímeros e/ou resinas Item 3 da Res n.124/01
Vidro, porcelana e cerâmica Portaria n. 27/96
Metálicos RDC n. 20/2007

Com a composição em mãos, você vai conferir se todas as substâncias apresentadas constam na lista positiva da legislação correspondente. Por exemplo, se for uma embalagem plástica, é necessário verificar a RDC 326/19 (aditivos destinados à elaboração de materiais plásticos) e a RDC 56/12 (resinas e polímeros destinados à elaboração de materiais plásticos). Importante ressaltar que pode acontecer de a substância que seu fornecedor informou ser um polímero. No caso da Resolução RDC n. 56/12 é apresentada uma lista principalmente de monômeros. Assim, a empresa deve buscar na parte I os monômeros que formam o polímero para saber se estão aprovados. Por exemplo, deve-se procurar “etileno” e não “polietileno”. Além desses, também estão autorizados os polímeros listados nas partes II e V da RDC n. 56/12.

Checou e encontrou alguma substância que não está na lista correspondente? Isso é um problema! Ou esta substância não é segura, ou nunca foi estudada, ou não há informação suficiente para concluir sobre sua segurança ou nunca foi solicitada a sua inclusão. De forma simples e direta, seu material não está compliance e não pode ser utilizado em contato com alimentos.

Checou e tudo está ok? Segue para o próximo passo.

Passo 3 – Verificando se há restrição/especificação

Conforme você verifica se a substância está na lista positiva, é necessário avaliar se há alguma restrição ou especificação para aquela substância. Muitas substâncias não apresentam restrições, ou seja, elas podem ser utilizadas na composição da embalagem e ponto!

Entretanto, há casos em que a substância está aprovada, porém sob dada condição. Os casos de restrição e especificação podem ser: restrição de uso, limite de composição, critério de pureza, especificação e limite de migração específica.

 Quanto ao uso

Em alguns casos, para alimentos específicos, podem ser estabelecidas restrições de uso, por exemplo: substância só aprovada para contato com produto seco e não gorduroso. Nestas situações deve ser considerado então o alimento/bebida que entrará em contato com alimento. Não seria aceito, seguindo este exemplo, uma bebida láctea (não é seco e é gorduroso).

Pode haver diferentes tipos de restrição de uso:

– Por tipo de alimento (ex: apenas permitido o uso em embalagens de produtos alimentícios secos e não gordurosos)

– Por função (ex: apenas permitido o uso como catalisador), por tipo de material (ex: apenas permitido o uso em materiais de uso repetido)

– Por formulação (ex: substância só pode ser usada na formulação de um dado polímero)

Por condição de processo (ex: apenas permitido o uso em condições de T<40ºC).

Veja no exemplo extraído da RDC 56/12, que o Acetato de vinila está autorizado, com exceção para contato com alimentos aquosos.

Quanto ao limite de composição

– Limite de composição (LC): definição da concentração máxima permitida da substância no material ou no produto final, tais como, limite de residual de um monômero no polímero (%m/m) e limite em massa de monômero na formação de um copolímero (ex: máx de 5% (m/m) de dimetilacrilato no copolímero)).

– Critério de pureza: Este é um limite de composição relacionado ao teor máximo de contaminantes prováveis (ex: metais pesados, coprodutos de interesse toxicológicos, etc.)

Veja um exemplo extraído da RDC 56/12:

– Especificação: Massa molecular, temperatura de amolecimento, atendimento a requisitos técnicos. Segue um exemplo extraído da RDC 56/12.

Quanto ao limite de migração específica

É a quantidade máxima admissível da substância que é transferida a um simulante do alimento, em condições específicas de contato.

No exemplo extraído da RDC 56/12 (abaixo), veja que para o Acetaldeído há restrição de LME (limite de migração específica), o que indica que o Acetaldeído é aprovado, PORÉM tem que haver um ensaio que comprove que a migração deste componente não ultrapassa o limite de 6 mg/Kg.

Conclusão

Finalizada a avaliação da composição do material/embalagem para alimentos frente às legislações correspondentes, conforme os passos anteriormente demonstrados, você poderá concluir:

– Se a composição está presenta na lista positiva

– Se há alguma substância que apresenta restrição de uso e qual é esta (deverá avaliar se condição é respeitada)

– Se há alguma substância que apresenta limite de composição (necessário evidenciar atendimento – laudo de composição)

– Se há alguma substância que apresenta limite de migração específica (necessário evidenciar atendimento – ensaio de migração)

No próximo post deste tema falaremos sobre os ensaios analíticos que são necessários para comprovação do atendimento à legislação e como realizar avaliação do laudo de migração.

15 thoughts on

Tudo o que você sempre quis saber sobre laudos de migração de embalagens de alimentos (II)

  • Nathalia

    Parabéns! Post muito claro e esclarecedor!

  • Natalia

    Muito bom!! Obrigada por compartilhar .

  • Vanessa C. Viscuso

    Parabéns Vanessa, muito bom o assunto e sua abordagem. Mais uma referência do blog para indicação.

  • Monalize B. Coan

    Muito bom o post, no aguardo para os próximos referente ao tema que ainda gera muitas dúvidas, tanto das indústrias de alimentos, quanto para a própria indústria de embalagens.

  • Barbara

    Muito bom, parabéns! Fiquei com uma dúvida, no passo 2 onde menciona de verificar a composição na lista positiva, todos os componentes devem estar listados ou apenas aqueles que tem função ativa no produto? Por exemplo um antiespumante utilizado na fabricação de papel, todos os componentes devem estar na lista positiva (modificador de pH, emulsificantes, estabilizantes) ou apenas o componente que tem a função ativa de antiespumante? Obrigada

    • vanessa cantanhede

      Oi Bárbara, segue fragmento que extraí do documento da Anvisa “Perguntas e respostas” publicado em março de 2020. Veja se ajuda:
      45. Podem ser utilizadas para a formulação dos componentes ativos substâncias não presentes nas listas positivas de materiais celulósicos?
      As substâncias utilizadas na formulação dos ingredientes ativos, tais como solventes, estabilizantes, reguladores de pH e emulsificantes, que não exercem função tecnológica no processo de fabricação do material celulósico, devem atender ao item 2.2 da Resolução 88/2016. O uso de substâncias não presentes nas listas positivas de materiais celulósicos é aceitável desde que a necessidade tecnológica seja justificada, que as substâncias utilizadas não sejam substâncias mutagênicas, carcinogênicas ou tóxicas para a reprodução, e que não ocorra migração de tais substâncias.
      Caso ocorra migração dessas substâncias, é necessário peticionar avaliação de segurança junto à Anvisa para comprovar o atendimento ao item 2.2 e posterior inclusão na lista positiva.
      Além disso, é permitido o uso de substâncias previstas como aditivos alimentares, nos termos do item 2.6 da RDC n. 88/2016.
      Entretanto, somente podem ser utilizados como antimicrobianos substâncias permitidas pela lista positiva aplicável ao material celulósico que será produzido (item 4.5 da RDC n. 88/2016, item 3.3.1 da RDC n. 89/2016 ou item 3.4.7 da RDC n. 90/2016), mesmo que tenham efeito apenas na formulação dos ingredientes ativos.

  • Sônia

    Olá Vanessa, muito bom o seu post.
    Ao avaliar o material polietileno de baixa densidade, não encontrei o CAS relacionado a ele na RDC nº 56/2012, isso significa que ele não está autorizado, certo?

  • vanessa cantanhede

    Olá Sônia, muito obrigada. Respondendo a sua pergunta: Polietileno é um polímero formado a partir da reação de polimerização do etileno. Neste caso o monômero é o etileno, que está na lista positiva da RDC 56/12, na Parte 1. Apresenta CAS 000074-85-1 e não há restrições. Sendo assim, pode ser utilizado em materiais de contato com alimentos.

  • ROSELI AP. DE CAMARGO LEME

    Olha que matéria legal!

  • Henrique

    Boa tarde

    No cado de embalagens plásticas é preciso fazer um laudo comprovando que a embalagem atende os requisitos das RDC. n.56/12 e RDC n.326/19? Qeum faz esses laudos?

    • vanessa cantanhede

      Olá Henrique, tudo bem? para embalagem plástica é necessário ter a seguinte evidência:
      – Declaração de atendimento da composição da embalagem às legislações correspondentes (Declaração de conformidade) emitida pelo fabricante
      – Laudos de ensaio de migração total e específica (se aplicável)

      Os laudos de ensaio de migração são realizados por laboratório especializados e podem ser solicitados pelo fabricante ou cliente.

      Abraços

  • Mariana

    Boa tarde Vanessa,
    Ótimo post. Quanto às RDCs 56, 51 e 52, se o fornecedor de matéria prima (resinas) emitir um laudo garantindo atender a essas normas, é necessário que o fabricante da embalagem realize o teste no material extrusado ? Ou apenas os laudos da matéria prima são suficientes ?

    • vanessa cantanhede

      Olá!! Não são suficientes. Os ensaios de migração devem ser realizados na embalagem final (na forma de uso do material).
      Abraços

  • André Muza

    PEAD como proteção de equipamentos ou para transporte vertical de cereais in natura, tem restrição? Ou pode ser utilizado?

  • alexandre martins

    boa tarde!

    alguém me indica um laboratório para realização de testes de migração em embalagens de sorvete?

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