RDC N° 14 – Aprendizados do Evento “Atualidades em Food Safety VII” ILSI – Parte 1

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O Blog Food Safety Brazil esteve no evento “Atualidades em Food Safety VII” promovido pelo INTERNATIONAL LIFE SCIENCES INSTITUTE BRASIL (saiba mais sobre o instituto aqui), o qual objetivou reunir especialistas representantes de todas as partes interessadas (governo, indústria, academia, varejo e sociedade) para comunicação, atualização, discussão e esclarecimentos sobre os principais aspectos abordados pela RDC n° 14, de 28 de março de 2014 a qual dispõe sobre matérias estranhas macroscópicas e microscópicas em alimentos e bebidas, seus limites de tolerância e outras providências (confira aqui alguns posts sobre a Resolução já publicados pelo blog 1 e 2). Para explanação deste tema de grande complexidade (pois o mercado consumidor tende a interpretar que alimentos não devem apresentar nada além do que está previsto em sua formulação), o evento foi iniciado com uma abordagem regulatória focada nos motivadores, desenvolvimento, definições e princípios da resolução, passando por soluções analíticas para pesquisa de conformidade aos padrões previstos pela ANVISA e finalmente o enfoque para a visão da indústria onde foram apresentadas atualizações sobre os principais programas de Gestão da Qualidade e Segurança de Alimentos (embasados pelas Boas Práticas de Fabricação – o coração desta RDC) assim como visão, reação e limitações da indústria para adequação de processos e atendimento dos limites de tolerância por esta definidos.

Membro do Grupo de Trabalho e responsável pela Coordenação das atividades conduzidas para estruturação da RDC 14, o Instituto Adolfo Lutz (que além de atuar como sólido Instituto de Pesquisa é também integrante dos Sistemas de Laboratórios de Saúde Pública e Nacional de Vigilância Sanitária, provendo a execução de análises de fiscalização), para melhor entendimento dos motivadores associados às necessidades do cenário de regulamentação para matérias estranhas presentes em alimentos, traçou uma linha do tempo começando pela extinta Resolução Normativa n°12/78 (CNNPA/MS), vigente até 2003, a qual apresentava texto complexo e de difícil compreensão e requisitos de difícil atendimento como a definição de ausência de sujidades, parasitos e larvas, para características microscópicas. Outras normas complementares como a Portaria n° 1/86 (DINAL/MS), Portaria n°74/94 (SVS/MS) e Portaria n° 519/98 (SVS/MS) – todas revogadas – estabeleciam padrões específicos, ainda restritos e pouco fundamentados, para algumas classes de produtos como farinhas de trigo (primeiro produto a ter tolerância para matérias microscópicas, como fragmentos de insetos, por exemplo), derivados de farinhas de trigo e chás.

Em 2003 a ANVISA publica a RDC n° 175, revogando todas as anteriores, abordando a avaliação de matérias macro e microscópicas apenas relacionadas a riscos à saúde e englobando apenas produtos embalados íntegros (alimentos em suas embalagens originais íntegras, sem qualquer sinal de perfurações, violações e outros indícios de não integridade da embalagem e desta forma, excluindo também matérias primas, insumos, aditivos, etc.). A RDC n° 175 apresentava inconsistências e dificuldades de interpretação (mesmo com a publicação de Informe Técnico adicional, o qual não possui caráter de regulamentação e sim de orientação) que geravam mais restrições tanto ao processo de análises quanto à definição de conformidade e atendimento. Ao mesmo tempo em que a RDC 175 tratava matérias estranhas de risco à saúde, a Portaria n° 326/97 (SVS/MS), que estabelecia diretrizes de higiene e boas práticas de fabricação para alimentos, regulamentava também de maneira não uniforme e genérica as matérias estranhas associadas ao ferimento e falhas às BPF (como “respaldo” ao que não estava previsto pela RDC 175), considerando a presença destas em qualquer dimensão e natureza como caráter de impróprio, gerando limitações e questionamentos pelo setor impactado e complicadores ao sistema de Vigilância Sanitária.

Com todo este histórico, foi criado o Grupo de Trabalho para revisão da RDC n°175, do qual fizeram parte representantes das VISA’s, laboratórios, órgãos de pesquisa, acadêmicos, setor regulado, etc., e que como resultado de ações grupo (sendo uma delas um levantamento de análises e resultados sobre presenças de matérias estranhas em alimentos considerando período pré e pós-vigência da RDC 175, cujo resultado obtido foi de que não houveram mudanças na dispersão e natureza de matérias estranhas em amostras avaliadas) e consequentemente a publicação da Consulta Pública n°11 pela ANVISA cujo resultado, além do baixo percentual de contribuição, demonstrou uma insegurança das partes interessadas para opinar sobre o tema devido tamanha complexidade. Em consequência da CP e do complexo histórico de regulamentação do tema, ao longo de 2014 foi publicada a RDC n° 14 (ANVISA/MS) objetivando maior esclarecimento e direcionamento (afinal, toda legislação tem caráter positivo) na qual foram consideradas tanto as matérias estranhas indicativas de risco à saúde como as indicativas de falhas de boas práticas de fabricação, uma abrangência maior aos alvos à que se aplica (desde as matérias-primas e embalagens até produtos a granel, excluindo-se aspectos de pureza, impurezas e defeito previstos por regulamentos técnicos específicos), considerando requisitos mínimos para avaliação (metodologias) assim como limites de tolerância, levando em consideração como premissa a responsabilidade de implementação efetiva das boas práticas ao longo da cadeia visando reduzir as matérias estranhas ao nível mais baixo possível.

A partir das últimas frases do texto acima, começa a surgir o racional para a definição de limites de tolerância. A RDC 14 não possui caráter permissivo e sim positivo (frente a fortificação do conceito de sólida implementação das boas práticas) e tolerante exclusivamente frente às matérias estranhas consideradas inevitáveis, ou seja, aquelas que ocorrem no alimento mesmo com a aplicação das boas práticas, podendo ser estas macroscópicas e microscópicas, matérias estranhas indicativas de riscos à saúde humana ou matérias indicativas de falhas das Boas Práticas, cujos limites estão suportados por estudos nos quais foram considerados os riscos à saúde (população exposta, o processamento, as condições de preparo e forma de consumo do produto nacionais disponíveis), histórico/dados nacionais disponíveis sobre o tema e que reflitam a realidade do país de vinculação da norma, ocorrência de matérias estranhas mesmo com a adoção das melhores práticas disponíveis, assim como legislações anteriores e existência de referências internacionais, convergindo para um diagnóstico final que pode ser encontrado nos Anexos I e II da Resolução, nos quais são informados os grupos de alimentos, alimento, matérias estranhas consideradas, limites máximos de tolerância e metodologia analítica baseada na AOAC (vide abaixo). Ou seja, de fato, apenas é tolerado aquilo que comprovadamente não se pode garantir/controlar ausência.

Grupos de Alimentos Alimento Matérias Estranhas Limites de Tolerância (máximos) Metodologia Analítica AOAC
1. Frutas, produtos de frutas e similares Produtos de tomate (molhos, purê, polpa, extrato, tomate seco, tomate inteiro enlatado, catchup e outros derivados) Fragmentos de insetos indicativos de falhas das boas práticas (não considerados indicativos de risco) 10 em 100g 955.46 B (16.13.14)

Considerando as classes de produtos que apresentam tolerância, basicamente pelos anexos há limites estabelecidos para: fragmentos de insetos indicativos de falhas das boas práticas (não considerados indicativos de risco), insetos inteiros mortos próprios da cultura insetos inteiros mortos (exceto os indicativos de risco), fungos filamentosos não produtores de toxinas, fragmentos de pelos de roedor, bárbulas (exceto de pombo), areia e presença de ácaros mortos, além dos polêmicos 2mm (objetos rígidos) e 7mm (objetos rígidos, pontiagudos e ou cortantes), tema já explorado pelo Blog (aqui) e que teceremos algumas considerações na Parte II deste post.

Lembramos que, para tudo aquilo que não apresenta um limite de tolerância definido nos Anexos I e II, considerados como objetos rígidos (2mm/7mm) ou previstos pelo cálculo de transferência no artigo 14 (método no qual se considera a proporção dos ingredientes no produto e sua concentração ou diluição para o cálculo do limite tolerado no produto final), considera-se como padrão a ausência (sejam eles associados à matérias estranhas de risco ou indicativas de falhas de boas práticas).

Uma das dicas para melhor compreensão e aplicação desta legislação e dos temas até aqui explorados está na leitura e entendimento das definições previstas (veja as principais citadas aqui no texto no final do nosso post!).

Ainda no âmbito de aplicação da RDC 14, uma vez que esta explora também diretrizes para execução das análises para identificação de matérias estranhas, o Instituto Adolfo Lutz seguiu sobre o tema com uma abordagem prático-regulatória no que tece as metodologias aprovadas e utilizadas para pesquisa de matérias estranhas (indicativa de aspectos higiênico sanitários) por técnicas macro e microanalíticas, além do enquadramento e interpretações de laudos dentro do modelo de fiscalização. No que se refere ao enquadramento e interpretação de resultados, os alimentos e produtos a qual a RDC se destina, podem ter os seguintes resultados conclusivos ao não atendimento:

Alimentos deteriorados;

  • Alimentos infestados por artrópodes (Exemplo: presença de dejetos e larvas vivas em massas alimentícias);
  • Alimentos que apresentam matérias estranhas indicativas de risco não previstos nos Anexos 1 e Anexo 2 (Exemplo: presença de fragmentos de vidro de qualquer tamanho);
  • Alimentos que apresentam matérias estranhas indicativas de riscos acima dos limites estabelecido nos Anexos 1 e Anexo 2 (Exemplo: 2 fragmentos de pelos de roedor em 100g de molho de tomate);
  • Alimentos enquadrados no Artigo 14 que apresentarem matérias estranhas indicativas de risco;
  • Alimentos que apresentam matérias estranhas indicativas de falhas das Boas Práticas não previstos nos Anexos 1 e Anexo 2 (Exemplo: presença de pelo humano);
  • Alimentos que apresentarem matérias estranhas indicativas de falhas das Boas Práticas acima dos limites estabelecidos nos Anexos 1 e Anexo 2 (Exemplo: 30 fragmentos de insetos indicativos de falhas das boas práticas em 100g de geleia de frutas);
  • Alimentos enquadrados no artigo 14 que apresentarem matérias estranhas indicativa de falhas das Boas Práticas;

A utilização de métodos macroanalíticos/ exame direto (avaliação visual das condições da amostra, isolamento de matérias estranhas encontradas, tamisação e identificação microscópio estereoscópico) é o primeiro passo a ser realizado nos estudos de presença de matérias estranhas, que já se permite gerar resultados conclusivos frente à natureza do material estranho. Os benefícios deste é que são baratos e requerem poucos equipamentos especializados, permitem análise de grande quantidade de produto e avaliação de lote de maneira rápida. Como exemplo de exames diretos, temos análise de infestações por insetos e presença de parasitas. Quando as metodologias macroanalíticos limitam a amplitude de resultados, o segundo passo é a utilização de métodos microanalíticos, exames detalhados de alíquotas das amostras que permitem a quantificação de matérias estranhas em escalas diferentes, sendo estes mais caros, requerem equipamentos especializados, dependem de características dos materiais (por exemplo, insetos e pelos são insolúveis na maioria dos reagentes) e marchas analíticas longas. Isolamento de sujidades (pré-tratamento, extração em sistema água/óleo, recuperação e análise em microscópio), contagem de fungos filamentosos pelo método de Howard e análise de areia (quantitativo e qualitativo), são alguns dos métodos hoje mais utilizados.

Por fim, alguns exemplos foram demonstrados resultados de análises e sistemática de enquadramento frente ao atendimento da RDC 14, conforme abaixo:

tabela_rdc_14

Diferente da RDC 175, onde produtos não conformes à Resolução eram considerados “impróprios para o consumo”, a RDC 14 não considera a avaliação da pesquisa de matérias estranhas como base única para autuação, visto que este racional prevê também a inspeção de processo in loco em nível de indústria (considerando-se que as Boas Práticas de Fabricação são o coração desta legislação!). Positivamente, com isto espera-se que mais dados sejam gerados para evolução e maior abrangência e clareza de requisitos e parâmetros para um direcionamento mais efetivo às partes interessadas.

Confira em breve a segunda parte deste post!

 

DEFINIÇÕES DA RDC N° 14 ANVISA

Matéria estranha: qualquer material não constituinte do produto associado a condições ou práticas inadequadas na produção, manipulação, armazenamento ou distribuição;

Matérias estranhas macroscópicas: são aquelas detectadas por observação direta (olho nu), podendo ser confirmada com auxílio de instrumentos ópticos;

Matérias estranhas microscópicas: são aquelas detectadas com auxílio de instrumentos ópticos, com aumento mínimo de 30 vezes;

Matérias estranhas inevitáveis: são aquelas que ocorrem no alimento mesmo com a aplicação das Boas Práticas;

Matérias  estranhas indicativas de riscos à saúde humana: são aquelas detectadas macroscopicamente e/ou microscopicamente, capazes de veicular agentes patogênicos para os alimentos e/ou de causar danos ao consumidor, abrangendo:

insetos: baratas, formigas, moscas que se reproduzem ou que tem por hábito manter contato com fezes, cadáveres e lixo, bem como barbeiros, em qualquer fase de desenvolvimento, vivos ou mortos, inteiros ou em partes;

  1. roedores: rato, ratazana e camundongo, inteiros ou em partes;
  2. outros animais: morcego e pombo, inteiros ou em partes;
  3. excrementos de animais, exceto os de artrópodes considerados próprios da cultura e do armazenamento;
  4. parasitos: helmintos e protozoários, em qualquer fase de desenvolvimento, associados a agravos a saúde humana;
  5. objetos rígidos, pontiagudos e ou cortantes, iguais ou maiores que 7 mm (medido na maior dimensão), que podem causar lesões ao consumidor, tais como: fragmentos de osso e metal; lasca de madeira; e plástico rígido;
  6. objetos rígidos, com diâmetros iguais ou maiores que 2 mm (medido na maior dimensão), que podem causar lesões ao consumidor, tais como: pedra, metal, dentes, caroço inteiro ou fragmentado;
  7. fragmentos de vidro de qualquer tamanho ou formato; e
  8. filmes plásticos que possam causar danos à saúde do consumidor.

Matérias estranhas indicativas de falhas das Boas Práticas: são aquelas detectadas macroscopicamente e/ou microscopicamente, abrangendo:

  1.  artrópodes considerados próprios da cultura e do armazenamento, em qualquer fase de desenvolvimento, vivos ou mortos, inteiros ou em partes, exúvias, teias e excrementos, exceto os previstos como indicativos de risco;
  2. partes indesejáveis da matéria-prima não contemplada nos regulamentos técnicos específicos, exceto os previstos como indicativos de risco;
  3. pelos humanos e de outros animais, exceto os previstos como indicativos de risco;
  4. areia, terra e outras partículas macroscópicas exceto as previstas como indicativos de risco;
  5.  fungos filamentosos e leveduriformes que não sejam característicos dos produtos;
  6.  contaminações incidentais: animais vertebrados ou invertebrados não citados acima, e outros materiais não relacionados ao processo produtivo.

Alimento deteriorado: aquele que apresenta alterações indesejáveis das características sensoriais e/ou físicas e/ou químicas, em decorrência da ação de microrganismos e/ou por reações químicas e/ou alterações físicas;

Alimento infestado por artrópodes: aquele onde há presença de qualquer estágio do ciclo de vida do animal (vivo ou morto), ou evidência de sua presença (tais como excrementos, teias, exúvias, resíduos de produtos atacados) ou ainda, o estabelecimento de uma população reprodutivamente ativa. Os artrópodes considerados neste caso devem ser aqueles que utilizam o alimento e são capazes de causar dano extensivo ao mesmo;

Partes indesejáveis ou impurezas: são partes de vegetais ou de animais que interferem na qualidade do produto, como cascas, pedúnculos, pecíolos, cartilagens, aponevroses, ossos, penas e pêlos animais e partículas carbonizadas do alimento advindas do processamento ou não removidas pelo mesmo.

 

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