PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) podem ser usadas livremente em alimentos? Entenda a regulamentação

4 min leitura

Atualmente, um grupo de plantas vem ganhando projeção nas mídias especializadas em alimentação: são as Plantas Alimentícias Não Convencionais ou PANCs.

As PANCs são, em geral, plantas que nascem e se desenvolvem sem maiores cuidados culturais e que, embora não sejam usuais na alimentação tradicional, possuem uma ou mais partes comestíveis, como folhas, raízes, flores ou frutos.

Algumas delas se parecem com o mato ou com ervas daninhas, não sendo por isso valorizadas como alimento. Outras até já tiveram espaço na cultura gastronômica de diferentes regiões, mas foram gradualmente substituídas por espécies comerciais produzidas em larga escala. Os exemplos de PANCs mais conhecidos são: jurubeba, beldroega, ora-pro-nobis, taioba, jambu, etc.

Acima de tudo, é essencial conhecer bem estas fontes alimentícias e saber diferenciá-las de plantas potencialmente tóxicas. Este artigo do blog cita alguns problemas relacionados ao consumo de certas PANCs.

Agora, imagine que você ou sua empresa de alimentos tem interesse em usar alguma destas PANCs em um alimento processado: um doce, uma geleia, um pão… Como garantir que o ingrediente e o alimento final são seguros? Em termos regulamentares, qual o procedimento específico a ser cumprido?

O parecer da Anvisa

Em resposta a um questionamento formal sobre este tema, a Anvisa informa que a comprovação pré-mercado da segurança de uso de determinados alimentos e ingredientes é uma exigência legal, com objetivo de proteger a saúde da população.

Atualmente, devem atender a essa exigência, os produtos enquadrados nas categorias de novos alimentos ou novos ingredientes. Além disso, muitos regulamentos técnicos específicos estabelecem que certos alimentos, ingredientes ou modificações só podem ser empregados após comprovação prévia da sua segurança.

Para definir se determinado produto é um novo alimento ou ingrediente é necessário verificar, inicialmente, seu enquadramento como alimento ou ingrediente. As definições legais de alimento contemplam todas as substâncias ou misturas de substâncias destinadas à ingestão por humanos, que tenham como objetivo fornecer nutrientes ou outras substâncias necessárias para a formação, manutenção e desenvolvimento normais do organismo, independentemente do seu grau de processamento e de sua forma de apresentação.

Já os ingredientes são “as substâncias utilizadas no preparo ou na fabricação de alimentos, e que estão presentes no produto final em sua forma original ou modificada”.

Após a verificação do enquadramento como alimento ou ingrediente, deve-se analisar se a PANC atende ao conceito de novo alimento ou ingrediente, conforme a Resolução nº16, de 30 de abril de 1999, que aprova o Regulamento Técnico de Procedimentos para registro de Alimentos e ou Novos Ingredientes.

Novos alimentos ou novos ingredientes são os alimentos ou substâncias sem histórico de consumo no país, ou alimentos com substâncias já consumidas que, entretanto, venham a ser adicionadas em níveis muito superiores aos observados nos alimentos da dieta regular.

Os exemplos a seguir caracterizam algumas situações em que alimentos ou ingredientes atendem ao conceito de novo alimento ou ingrediente:

  • Alimento ou ingrediente consumido por pequeno grupo de indivíduos ou durante curtos períodos de tempo, em função de baixa disponibilidade de alimentos ou por razões socioculturais. Exemplos: insetos consumidos em outros países, vagem de algaroba e palma forrageira consumidas em períodos de seca;
  • Alimento ou ingrediente que não é conhecido, comercializado ou consumido de forma significativa no Brasil, mas possui histórico de consumo em outro país. Exemplos: semente de chia, lúcuma e xarope de agave;
  • Alimento ou ingrediente obtido ou modificado em sua natureza, por processo tecnológico, que resulte em mudanças significativas de composição, estrutura, comportamento físico-químico ou valor nutricional. Exemplos: nanocompostos de vitaminas, substitutos de óleos e açúcares modificados;
  • Substâncias obtidas de fontes não utilizadas como alimentos pelo homem, mas que estão presentes em alimentos consumidos regularmente. Exemplos: fitoesteróis de árvores coníferas (Pinophyta), cálcio de concha de ostras e luteína de Tagetes erecta;
  • Alimento ou ingrediente que consista ou que seja isolado de microrganismos, fungos ou algas. Exemplos: espirulina, ácidos graxos essenciais obtidos de microrganismos e beta-glucana de Saccahromyces cerevisiae;
  • Ingrediente obtido por síntese ou a partir de fontes alimentares, cuja adição em alimentos resulte em aumento do seu consumo. Exemplos: ácidos graxos da família ômega 3 provenientes do óleo de peixe, resveratrol sintético ou extraído da uva, licopeno sintético ou extraído de tomate e fitoesteróis de óleos vegetais.

Portanto, o conceito é amplo e contempla uma grande variedade de produtos, para os quais não existe conhecimento suficiente para garantir sua segurança antes de uma avaliação específica.

Por outro lado, não são considerados novos alimentos, produtos que fazem parte do hábito alimentar regular de determinadas regiões do Brasil, mas que por razões diversas não se difundiram significativamente no país, tais como: pequi (Caryocar brasiliensis), bacaba (Oenakarpus multicaulis), beldroega (Portulaca oleracea), araruta (amido extraído da Maranta arundinacea) e farinha de alfarroba (Ceratonia siliqua).

Sugerimos a leitura do GUIA PARA COMPROVAÇÃO DA SEGURANÇA DE ALIMENTOS E INGREDIENTES, disponível no Portal da ANVISA e na Biblioteca de Alimentos da ANVISA.

Portanto, caso se considere que a PANC a ser usada já apresenta informações suficientes de histórico de uso e, por isso, não deve ser considerada um novo alimento ou novo ingrediente, não é necessário peticionar a análise de segurança de novos ingredientes. A responsabilidade de enquadrar ou não o alimento/ingrediente na categoria “Novos” é da empresa.

Entretanto, caso haja alguma dúvida em afirmar que não se trata de novo alimento, sugerimos elaborar os documentos necessários e submetê-los à avaliação da ANVISA. Até porque a empresa deve poder comprovar histórico de uso seguro a qualquer momento, caso demandada a comprovar que não se trata de Novo Alimento ou Novo Ingrediente.

Imagem: blog Ciencia em Si (Unicamp)

José Humberto Soares foi o primeiro diretor-secretário da Associação Food Safety Brazil e um dos primeiros a acreditar e apoiar este projeto. Graduado em Engenharia de alimentos e Letras, hoje é o revisor de todos os posts aqui publicados. Ele teve um bom motivo para escrever este post, que é celebrar o aniversário de 10 anos do blog.  

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2 thoughts on

PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) podem ser usadas livremente em alimentos? Entenda a regulamentação

  • Bonfim

    É muito interessante ver o controle da Anvisa no setor de alimentos, farmaceutico etc O artigo foi muito esclarecedor. A segurança alimentar é algo que precisamos estarmos sempre atentos.
    Bonfim Dias

    • Humberto Soares

      Obrigado, Bonfim. O retorno dos leitores é importante para nós.

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