Insetos como alimento: entrevista com Thelma Lucchese Cheung

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Quando falamos sobre pesquisas em alimentos no Brasil, um nome de referência é a professora Thelma Lucchese Cheung (sua biografia está no final do texto). Seguem as maiores percepções que tivemos com sua entrevista. 

Esta linha de pesquisa (Inovação no Setor de Alimentos: insetos destinados para o consumo humano)  teve início em 2014 após um convite da pesquisadora Céline Gallen, Université de Nantes França, para que eu conduzisse no Brasil uma pesquisa semelhante ao que estavam realizando na França. O objetivo era obter informações acerca da percepção de consumidores brasileiros sobre o consumo humano de insetos. Saber se os brasileiros aceitariam insetos como fonte alternativa de proteína animal, saber quais insetos são aceitos e quais são os mais rejeitados, saber como os consumidores gostariam de ver os insetos nos canais de distribuição, como supermercados (processados, em pó, como ingrediente de outros alimentos), saber se já consumiram alguma vez na vida, mesmo que em outro país, e saber se tem interesse em conhecer o gosto, a textura e viver uma nova experiência alimentar.    

O projeto está dividido em duas partes sendo que a primeira foi uma pesquisa. Em uma amostra não probabilística e por conveniência, 130 pessoas foram entrevistadas, todas residentes em Campo Grande, MS, e vinculadas a um mesmo ambiente de trabalho, permitindo aos investigadores a observação das suas relações sociais em contextos semelhantes. 

Já a segunda fase da pesquisa visa aproveitar  todas as informações conseguidas com a pesquisa de campo, onde 404 consumidores de Campo Grande/MS disseram que aceitariam experimentar os insetos e propusemos dois snacks (um doce e um salgado) para uma análise sensorial. O Instituto de Alimentos e Bebidas do SENAI/MS é parceiro dessa pesquisa e está auxiliando na elaboração dos snacks (cookie e tortilha). E toda a pesquisa é financiada pela FUNDCT, agência de fomento à pesquisa do Mato Grosso do Sul.

Em julho de 2018, na cidade de Dourados, análises sensoriais foram realizadas e para saber mais sobre a percepção e atitude dos consumidores em relação a produtos alimentares que levam insetos em sua composição. 

Os resultados se mostraram positivos?

Sim! Durante a realização dos snacks, os pesquisadores e outras pessoas provaram os alimentos e houve ampla aceitação. É notória a preferência pela farinha de insetos e pela rejeição do consumidor às partes do corpo do inseto apresentadas no alimento. Sabe-se, pelas teorias da sociologia e antropologia da alimentação, que o ser humano aceita melhor consumir o que lhe é familiar. Dessa forma, uma importante pista de inovação para as indústrias de alimentos seria utilizar farinha dos insetos acrescida de outras farinhas aceitas pelo consumidor.  Se você quiser ler o trabalho completo, clique aqui.

Uma dúvida que sempre fica é sobre os comitês de ética. Como se comportam quando recebem sua solicitação para fazer a análise sensorial ?

Eu recebi aprovação do comitê de ética. Considerou-se que não há ameaças à saúde humana em consumir espécies comestíveis (salvo às pessoas que são alérgicas ao camarão que podem ter a mesma alergia consumindo insetos). Deve-se ressaltar que no Brasil há registros atuais de consumo de insetos coletados do extrativismo. Temos grupos populacionais que são consumidores, por exemplo, de formigas, cupins e algumas larvas.    

O que falta para inserirmos o consumo no país?

Falta legislação. No Brasil, ainda, os insetos comestíveis são vistos pela ANVISA como novos alimentos, por não terem sido incluídos na primeira legislação sobre insetos de 1948 e revisada na RDC nº14, de março de 2014.

Essa RDC nº 14 mostra que eles são alimentos novos, por serem consumidos por pequeno grupo de indivíduos ou durante curtos períodos de tempo, em função de baixa disponibilidade de alimentos ou por razões socioculturais. Exemplos: insetos consumidos em outros países, vagem de algaroba e palma forrageira consumidas em períodos de seca. Estamos muito atrás de países ocidentais que adequaram ou criaram novas legislações para aprovar criação e processamento de algumas espécies destinadas ao consumo humano, caso da Holanda, Bélgica e França, por exemplo. No Brasil, MAPA e ANVISA não demonstram interesse pelo tema. 

Podemos dizer que hoje a senhora levanta a bandeira dos insetos como alternativa na alimentação brasileira?

Defendo que podem ser uma alternativa proteica para a nossa população e para qualquer outra também. Basta que os consumidores aceitem inseri-los em sua alimentação. Além disso, com a regulamentação dessa cadeia produtiva e o aumento da produção no país teremos uma maior oferta e uma queda do preço do quilo do produto. Se a indústria fosse produzir alimentos hoje, utilizando os insetos que produzimos para ração animal, o custo de produção seria muito elevado e os alimentos seriam colocados no mercado como especiarias! O quilo do grilo pode ser encontrado a R$ 250,00  até R$ 600,00. 

Podemos dizer que a senhora e sua equipe são um polo produtor de informações na América Latina? Eu não achei outros pesquisadores por aqui.

Não. Há pesquisadores brasileiros trabalhando na temática como a referência internacional Eraldo Medeiros Costa-Neto (Universidade de Feira de Santana na Bahia); Ramon Santos de Minas (Instituto Federal de Coxim); Shaiene Gouveia (Instituto Federal do Rio de Janeiro), Rossano Linassi (Instituto Federal de Santa Catarina), Casé Oliveira (ASBRACI e SIELBRA Sociedade Internacional de Educação Líbano Brasileira).

 

Thelma Lucchese Cheung possui graduação em administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2000), mestrado e doutorado em engenharia de produção pela Universidade Federal de São Carlos e pela Universidade de Nantes, na França. Tem experiência na área de engenharia de produção, com ênfase em Gestão de Sistemas Agroindustriais, atuando, principalmente, nos seguintes temas: marketing e estudo do comportamento do consumidor e estudos de cadeias agroindustriais.

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