Entrevista: Fernando Ubarana

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Fernando Ubarana construiu grande parte de sua carreira como auditor de segurança de alimentos nas normas mais exigentes de alimentos, incluindo a líder de mercado, FSSC 22000, BRC e outros protocolos. Também fez história como importante formador auditores  de todo o país. É um dos autores do livro “Implementação de Sistemas da Qualidade e Segurança de Alimentos“. Em passado recente, ele se mudou para uma multinacional líder em vários segmentos onde é gestor  nacional de segurança de alimentos. Nossos colunistas direcionaram questões de elevado teor técnico para este profissional que faz aniversário hoje!

Qual é a sua opinião sobre o gerenciamento de perigos químicos no Brasil, podendo-se exemplificar desde os mais familiares como pesticidas até aqueles para alguns desconhecidos como a acrilamida, 3-MCPD, dioxinas, carbamatos de etila? Você acredita que em outros países a situação é diferente?
Quando se fala em perigos químicos a conclusão é a de que certamente ainda temos muito a evoluir! As dificuldades são variadas. No caso de pesticidas provenientes de matérias-primas agrícolas, por exemplo, acompanhamos os resultados do Programa de Monitoramento de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos divulgado pela ANVISA, que apontam 36% de resultados insatisfatórios em amostras em 2011 e 29% em 2012. Teoricamente, esse é um perigo “gerenciável”, mas ainda carecemos de uma regulamentação consistente de Boas Práticas Agrícolas no país, de um maior controle na comercialização e uso de pesticidas e de um trabalho mais preventivo de conscientização do produtor. Entendo que fatores a complexidade da cadeia produtiva no Brasil, a extensão territorial e o baixo nível educacional no campo ainda são obstáculos, mas não impedem o estabelecimento de políticas preventivas mais eficazes. Há também casos, como o do carbamato de etila em bebidas destiladas, em que há uma regulamentação clara, mas a mesma não é cumprida por uma parcela significativa dos produtores sem ações específicas por parte dos organismos fiscalizadores. E, finalmente, há os perigos cuja complexidade de gerenciamento, seja pela falta de regulamentos mais específicos, seja pela falta de conhecimento, dificulta bastante um controle mais efetivo como é o caso das acrilamidas.  Essas dificuldades no gerenciamento de perigos químicos têm um impacto direto nas organizações da cadeia de alimentos, principalmente pequenas e médias, incluindo indústrias e serviços de alimentação, seja pelos altos custos analíticos ou seja pela impossibilidade de gerenciar de maneira efetiva alguns contaminantes. Imagine, por exemplo, a dificuldade enfrentada por uma rede de serviços de alimentação para controlar ou prevenir adequadamente os perigos de agrotóxicos em produtos hortifrúti adquiridos.

Qual é a saída para as empresas que comercializam produtos para trading fazer um bom levantamento de requisitos legais, já que não são responsáveis diretamente pela introdução do produto nos diferentes mercados? Até onde vai a responsabilidade de cada elo da cadeia produtiva?
Uma alternativa é a contratação de empresas especializadas em levantamento de requisitos legais dos países de destino. Já presenciei este tipo de controle em grandes empresas exportadoras (café por exemplo) com um bom resultado. Eu diria que essa é uma situação  ideal, porém bastante onerosa. Uma saída encontrada por muitas empresas é especificar claramente as características biológicas , químicas e físicas de seus produtos relacionadas a segurança de alimentos de acordo com a legislação local do país de produção, Codex Alimentarius e/ou mercados mais tradicionais como Europa e Estados Unidos e submeter ao cliente externo (que em teoria domina a legislação local) para aceite, solicitando ainda ao mesmo as legislações a que o produto deve atender. É uma maneira de dividir a responsabilidade com quem irá comercializar o produto no país de destino, através de uma clara comunicação externa.  Adicionalmente a comunicação interna deve funcionar muito bem para que essas informações sejam usadas na atualização do sistema de gestão da segurança de alimentos da organização.

A legislação brasileira (RDC 20/07) proíbe o uso de aço carbono sem revestimento como superfície de contato direto com alimentos. Na sua opinião como gerenciar a realidade de parques fabris antigos ou a falta de opção no mercado de equipamentos de materiais adequados a um custo viável? Dependendo do segmento, sequer há a opção de equipamentos com material alternativo (Ex: alimentos com alto teor de gordura, os fornecedores de equipamentos alegam que este componente evitaria a oxidação do material).
Quando se avalia as legislações de equipamentos metálicos, plásticos e elastoméricos em contato com alimentos um pouco mais a fundo percebe-se que as indústrias em geral têm uma grande dificuldade para estarem em completa conformidade com as mesmas. Vamos pensar em dois exemplos: no caso da Resolução 20 de 22 de março de 2007, relativa a embalagens equipamentos metálicos em contato com alimentos, deve-se assegurar além do atendimento às listas positivas, o que está relacionado ao exemplo dado, também o atendimento aos limites máximos de impurezas relacionadas a chumbo, arsênio, cádmio, mercúrio, antimônio e cobre, previstos pela regulamentação. Isso é relativamente fácil de ser demonstrado para embalagens mas quanto a equipamentos muitas vezes é impossível. Outro exemplo: imagine que no caso de esteiras plásticas ou elastoméricas pigmentadas para contato com alimentos deve-se atender, além de uma série de legislações específicas relativas a lista positiva e migração também à Resolução RDC 52 de 26 de novembro de 2011, relativa aos corantes usados em embalagens e equipamentos plásticos destinados a entrar em contato com alimentos. Também nesse caso, boa parte dos fabricantes de equipamentos não está preparada para fornecer esse tipo de informação. O que temos muitas vezes são às certificações internacionais como NSF ou atendimento aos critérios da FDA. Isso ajuda a demonstrar que os materiais são seguros, mais ainda não asseguram o completo atendimento à legislação local. A ação mais imediata que a indústria pode tomar é assegurar, apesar da falta de demonstração de que os equipamentos estão em completa conformidade com a legislação, o máximo de evidências da inocuidade destes equipamentos e também que os produtos encontram-se dentro dos limites de contaminantes químicos através de um plano consistente de análises de verificação de seus produtos.

Quais são os maiores desafios em se manter um SGSA implementado, efetivo e atualizado na visão de quem gerencia fábricas de processos e tecnologias tão distintos?

O maior desafio ainda é manter as pessoas conscientizadas sobre a importância de se ter um sistema de gestão de segurança de alimentos atualizado e melhorado continuamente.  O HACCP é uma ferramenta muito útil, mas muita gente ainda tem a visão de que ele é um conjunto de documentos que está lá para ser mostrado em uma auditoria. Certa vez ouvi uma frase que achei muito interessante: “no HACCP, uma implementação perfeita é mais importante do que uma documentação perfeita”. E essa implementação perfeita depende de muitos fatores como provisão de  recursos, comprometimento da alta direção, adequado gerenciamento de mudanças e, principalmente, de profissionais capacitados e motivados para a segurança de alimentos a todo o momento. 

 Como foi a transição dos papéis de auditor (aquele que só avalia de acordo com o critério estabelecido) para o de responsável pelo suporte tantos universos divididos em fábricas   de segmentos, estruturas e contextos bastante diferentes?
Uma das diferenças é que parei de ouvir a pergunta: “Mas você trabalha ou só faz auditorias?”. Brincadeiras a parte, o trabalho de auditor muitas vezes é visto erroneamente como “fácil”, consistindo em simplesmente em se levantar não conformidades para serem resolvidas pelas organizações auditadas. Mas trata-se de fato de uma atividade que exige grande preparo e qualificação, em função da responsabilidade envolvida. A partir do momento que se emite um parecer sobre a conformidade de um sistema de gestão de segurança de alimentos, se está atestando publicamente que uma organização gerencia adequadamente os perigos à segurança de alimentos inerentes a seus produtos e processos. Do outro lado, está a organização pertencente à cadeia produtiva, com a responsabilidade de fornecer alimentos seguros ao consumidor. A conclusão é de que, os papéis são outros, mas que o grau de responsabilidade perante a segurança do consumidor é o mesmo. É função tanto dos organismos de certificação e acreditação quanto da indústria manter a credibilidade das certificações em segurança de alimentos, para que continuem sendo uma referência para o mercado. Portanto, a satisfação de ter uma participação, pequena que seja, nesse árduo trabalho de tentar salvaguardar a saúde do consumidor é a mesma.

 

 

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