Contaminação da soja por hidrocarbonetos policíclicos aromáticos: qual o risco para a saúde humana?  

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Após a colheita dos grãos de soja no campo, o beneficiamento e armazenamento se fazem necessários até o processamento e o destino final destes grãos. Os grãos de soja, após a colheita, são transportados em caminhões e chegam às unidades armazenadoras para o processo de secagem, que proporciona a redução do teor de água para assegurar sua qualidade nutricional e microbiológica.

Na secagem são utilizadas fornalhas de fogo direto que realizam a queima de madeira como fonte de calor. A queima pode ocorrer de forma incompleta e ocasionar a formação de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), com mais de 115 compostos, que são contaminantes nocivos à saúde. Estudos realizados em alimentos já identificaram a presença destes compostos em níveis superiores ao estabelecido pela legislação europeia, que variam entre 1,0 e 10 µg/kg, dependendo do tipo de alimento.

Mesmo níveis mínimos de HPAs têm toxicidade elevada, visto que alguns destes compostos são considerados potencialmente carcinogênicos e genotóxicos, destacando-se o benzo(a)pireno, comprovadamente carcinogênico, segundo a IARC.

A legislação brasileira (ANVISA) estabelece um nível máximo apenas para o benzo(a)pireno em óleo de bagaço de oliva (2,0 mg/kg) e aromatizantes para defumação artificial (0,03 mg/kg). Há uma Portaria do Ministério da Saúde com limite para água potável (0,7 µg/L). Para grãos de soja não existe norma em vigor que determine a quantidade máxima de HPAs permitida, sendo um risco eminente que demanda atenção.

Diante do exposto, faz-se necessária a busca por fontes de calor que forneçam energia aos secadores e que apresentem menor risco de contaminação, bem como maior segurança durante a alimentação com alimentos derivados de grãos de soja e subprodutos comercializados. Nesse sentido, estudos avaliaram o desempenho da secagem e a qualidade dos grãos de soja utilizando uma fornalha de fogo direto alimentada automaticamente por cavacos de lenha. Os autores concluíram que os grãos de soja apresentaram contaminação por dois HPAs (benzo(a)antraceno e criseno) antes da secagem e ocorreu o acréscimo de outros três (benzo(b)fluoranteno, benzo(k)fluoranteno e benzo(a)pireno) após a secagem. As concentrações médias foram inferiores aos valores máximos permitidos pela legislação da União Europeia nº 835/2011.

A formação dos HPAs é particularmente favorecida pela biomassa carbonizada a temperaturas entre 400 e 800ºC, porém, tanto a quantidade como a composição variam em função do material a ser pirolisado, da temperatura de combustão, do tempo de permanência das moléculas no estado gasoso e da concentração de oxigênio. Assim, os pesquisadores justificam que a baixa concentração de HPAs formados está associada a temperatura de combustão interna da fornalha que atingiu o valor máximo de 457ºC e, também ao combustível utilizado na secagem, sendo cavacos de madeira de eucalipto, que devido a sua granulometria, possuem maior área de contato durante a queima no interior da fornalha. Outro fator é o auxílio da insuflação de ar forçado por meio de ventiladores por baixo da grelha, que contribui também para a combustão mais completa do cavaco e, consequentemente, menor formação de gases, gerando menor contaminação nos grãos.

A presença dos HPAs detectados nos grãos de soja secos utilizando fornalha a fogo direto pode levar à contaminação dos produtos derivados, produzidos a partir dessa matéria prima, como por exemplo o óleo de soja. Em estudo realizado em 2011, foram identificados níveis relativamente altos e variáveis de HPAs (10,4 a 112,0 µg/g) em 42 amostras de óleos de soja disponíveis comercialmente no mercado brasileiro. Estes compostos permanecem concentrados na superfície dos grãos e são transferidos para o óleo bruto durante o processamento de extração. Outros estudos também identificaram contaminação de HPAs em grãos de soja após a secagem.

Portanto, considerando o conhecimento científico atual, existe um alto risco à saúde humana referente à contaminação por HPAs em alimentos, sendo tema de fundamental atenção não apenas para os pesquisadores da área, mas também para a população de modo geral.

Autores: Osvaldo Resende, Wellytton Darci Quequeto, Adrielle Borges de Almeida e Rosana Maria Pereira Silva, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano – Campus Rio Verde

Referências

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