Análise de perigos dos insumos: como fazer e por onde começar?

3 min leitura

Uma dúvida bastante comum entre nossos clientes de consultoria é sobre como realizar uma análise de perigos dos insumos adquiridos.

Não é raro encontrarmos estudos APPCC, onde todos os perigos levantados nos insumos são identificados como sendo controlados pelo programa de qualificação dos fornecedores. Este PPR recebe, em muitas empresas, a responsabilidade de garantir a segurança dos materiais adquiridos.

Em teoria, isto não está equivocado.  Um bom programa de homologação pode (e deve) identificar perigos pertinentes aos materiais e ao processo do fornecedor, incluindo também os perigos que possam ter sido introduzidos em etapas anteriores da cadeia produtiva de alimentos e após esta identificação, constar controles para verificação do atendimento aos níveis aceitáveis destes contaminantes. Os fornecedores devem, inclusive, ser avaliados tendo como base o risco de seus insumos.

Na prática, no entanto é bastante raro visualizarmos este grau de maturidade neste PPR. Normalmente encontramos métodos de avaliação de fornecedores bastante genéricos, focados na capacidade econômica do fornecedor, na sua capacidade de atendimento ao volume necessário, incluindo algumas perguntas de Boas Práticas de Fabricação ou aplicáveis ao sistema de gestão, mas nada que possa responder com segurança se tais perigos que foram identificados relacionados ao insumo estão realmente controlados.

Podemos concluir que em muitos casos existe uma vulnerabilidade no controle de perigos significativos. A indústria acredita que seus fornecedores são capazes de fornecer insumos seguros, mas em muitos casos o que ocorre é um: “deixa, que eu também deixo”. Isso é particularmente importante  quando se fala de perigos químicos.

Há treze anos  trabalho como consultora de segurança de alimentos e posso contar nos dedos as vezes que vi uma indústria de alimentos controlar perigos químicos como pesticida como sendo um perigo significativo para o seu processo.  Sempre vejo os dados relacionados ao uso de pesticidas no Brasil. O uso de pesticidas não aprovados ou utilizados em condições inadequadas (o que ocasiona desvios do limite máximo residual permitido) é uma realidade no país, embora os estudos APPCC das empresas indiquem a capacidade de seus fornecedores em controlar adequadamente este perigo. É claro que há empresas que possuem controles eficazes, mas será que representam senão todos, a maioria dos casos?

Neste mesmo ponto de preocupação posso ainda citar outros perigos como acrilamida, 3-MCPD, HPA, dioxinas, drogas veterinárias, micotoxinas e ainda, os contaminantes inorgânicos.

Para evitar que perigos importantes fiquem sem controle, o primeiro passo é realizar uma boa identificação de perigos. Na minha opinião, uma falha comum que observo é a consideração apenas dos requisitos legais existentes.

Exemplos de legislações que são comumente utilizadas:

  • Perigos químicos – Resolução RDC 7/11; Portaria 685/98; Resolução RDC42/13; Resolução RDC 56/12; Resolução RDC 51/10; Resolução RDC 52/10; Resolução RDC 17/08; Resolução RDC 20/07; Resolução RDC 123/01
  • Perigos físicos – Resolução RDC 14/14
  • Perigos biológicos – Resolução RDC 12/01

Para mim, os requisitos legais representam uma fonte de dados importantíssima e obrigatória,  porém está longe de ser a única fonte de informação

Outros dados de entrada que devem ser estudados são: formulários preenchidos pelos fornecedores; fichas técnicas do fornecedor; laudos de análises; especificação do material; relatórios de auditoria interna nos fornecedores; bibliografia como estudos epidemiológicos, publicações em revistas científicas, artigos acadêmicos, legislações de outros países, guias e manuais publicados por associações, agências reguladoras ou grupos de especialistas, entre outros.

Cada perigo identificado deve ter seu risco associado. Por risco entende-se a combinação entre severidade (dano a saúde associado ao perigo) e probabilidade (chance do perigo ocasionar doença).  Perigos com risco baixo podem ser controlados apenas por programas de pré-requisitos. Perigos com risco alto, são considerados significativos e precisam ser controlados de forma especifica.

severidade é constante para um perigo e está diretamente associada aos sintomas que pode ocasionar. Para não se ter um perigo significativo sem controle, torna –se de extrema importância uma boa avaliação da probabilidade. E atenção:

Ausência de evidência não é evidência de ausência!

Se algo nunca foi procurado / analisado, a ausência de histórico não é indicativa de que o perigo não existe ou que está sob controle. Se nunca analisei, não conheço a probabilidade. Se só analisei uma vez, tampouco conheço.

Para afirmar que a probabilidade é baixa, é preciso ter de fato evidências que suportem tal afirmação. Exemplos destas evidências podem ser: resultados de laudos laboratoriais realizados com um bom programa de amostragem e em frequência adequada; evidências de que controle já é realizado satisfatoriamente pelo fornecedor e de que os níveis aceitáveis já foram atendidos; relatórios de validação que demonstrem o controle ao longo da cadeia produtiva, entre outros.

Somente com uma boa identificação de perigos, seguida de uma avaliação destes perigos em relação ao seu risco realizada de forma consistente é que poderemos afirmar se os perigos estão sob controle ou se precisam ser controlados no recebimento dos materiais ou ao longo do processo produtivo.

Afinal, produtos seguros deve ser sempre o nosso objetivo!

8 thoughts on

Análise de perigos dos insumos: como fazer e por onde começar?

  • Ana Oliveira

    Olá Ana Claudia
    Excelentes seus esclarecimentos sobre a análise de perigos de insumos.`Concordo muitíssimo com você que a simples justificativa de que os perigos são controlados pelo fornecedor deixam o sistema vulnerável caso não hajam evidências mais concretas deste controle conforme você citou no texto.

  • Ana Claudia Frota

    Oi Ana, Que bom que você gostou! A gestão de perigos químicos é hoje uma das minhas maiores preocupações em segurança de alimentos. E que empresa que não almeja comprar um insumo com baixo custo (ou o menor possível) e com controle de todos os perigos associados? Abraços, Ana Claudia Frota

  • Ricardo

    Boa tarde!

    Parabéns pelo asssunto abordado.

    Em relação ao APPCC tenho uma dúvida.

    Imagine que um produto está sendo embalado e neste processo tenho que fazer o uso de uma máquina de costura nessa sacaria. Essa máquina de costura possui uma agulha e após a costura essa sacaria é transportada até o estoque.

    A agulha trata-se de um perigo físico e a minha dúvida é que se esta situação poderia ser enquadrada como um PPRO ou PCC.

    Como é um processo contínuo, se a agulha quebrar, automaticamente o operador para o processo de costurar a sacaria. A agulha é trocada pelo almoxarifado somente se todas as partes da agulha estiverem disponíveis (o lote é segregado,etc).

    Se alguém puder responder meu questionamento, ficarei extremamente agradecido.

    Grande abraço!

  • Ana Claudia Frota

    Oi Ricardo, Obrigada por participar! Se o controle existente para evitar a contaminação do produto devido a quebra da agulha vai ser classificada como PPRO ou PCC vai depender do risco deste perigo. Qual é a probabilidade deste fragmento metálico proveniente da quebra de agulha causar alguma doença no consumidor? Em outras palavras: qual é a probabilidade dele contaminar o produto e não ser detectado / eliminado antes de ser consumido? Caso este fragmento metálico chegue até a boca do consumidor, quais são os danos a saúde que podem acontecer? Ao se avaliar a probabilidade x severidade, você conhecerá o risco de perigo. Para fazer esta avaliação, a empresa precisa ter definido uma metodologia de análise de risco, a qual comumente apresenta uma escala de probabilidade e uma escala de severidade. Perigos com risco significativos devem ser controlados por PPRO ou PCC. Se o risco for considerado baixo, ele poderá ser controlado por um PPR.
    Espero ter ajudado. Ana Claudia Frota

    • Ricardo

      Muitíssimo obrigado!

      Com certeza ajudou.

      Abraço

  • Roseli

    Olá… Estava vendo sua matéria… MUITO boa!!!! Quando se analisa as fichas técnicas de fornecedores, um mesmo produto pode ter perigos diferentes entre dois fornecedores… Neste caso o que considero? A legislação para o meu produto? Obrigada!!

  • Luciana

    Olá, Ana!

    Muito explicativo o artigo!

    Tenho uma dúvida sobre quais os microrganismos mapear e controlar no processamento do produto, considerando que atualmente as legislações microbiológicas não são aplicáveis aos alimentos utilizados como ingredientes.

    Obrigada.

  • Maria

    Oie Ana,
    Muito obrigada pela matéria.
    Uma dúvida sobre a análise de perigos, quando realizamos a análise de perigos do insumo devemos utilizar o limite aceitável do perigo em relação ao produto final que estamos analisando ou usamos em relação ao próprio insumo?
    Obrigada

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